segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Deadpool: pode um filme baseado numa BD ser objecto de análise crítica?

Pelos vistos, pode. Tantas referências culturais - pop, ok, mas culturais à mesma - numa tão pequena sequência. Pós-créditos, ainda por cima. E o filme está aí. Tal como o ciclo Tarkovski, no Monumental e no Nimas.

Fui ver o filme e gostei. Stand Up Super Hero.

Esta quarta 2 há aula

Para o caso de haver dúvidas, há aula esta quarta 2. 
Obrigado. 

Da crítica

1
Toda a gente conhece a anedota do crítico de cinema: se ele não gosta, então é de ver. Durante anos assustaram-me críticos que não conseguiam ver um filme como ele era, sentiam sempre necessidade de estar a corrigir o autor, e a dizer para onde eles achavam que o filme devia ir, qual o tema que devia tratar, etc. Em suma: queriam que aquele filme fosse outro. Este tipo de crítica em literatura também existe, mas por acaso sempre foi menos caricatural que a de cinema. Na crítica literária há antipatias e simpatias, mas são evidentes, sobretudo quando a autores locais, e até certo ponto transparentes, até porque conhecemos as pessoas. Há tempos houve aquela do melhor amigo a elogiar o melhor amigo, a não fazer uma nota de interesses e, até, a dar cinco estrelas. E há já 15 anos pôs-me de mau humor uma recensão que uma moça do Expresso fez, a criticar Os Surfistas por «não ser suficientemente surreal», ignorando por completo que a minha intenção era precisamente a contrária: evitar, num livro com uma energia colectiva (os e-leitores votavam e participavam), cair na armadilha do delírio total. O meu grande desafio era o de conseguir apesar dos sucessivos «boicotes» e «armadilhas» fazer um livro coeso. O caos e o absurdo guardo-os para quando faço as coisas sozinho.
Mas, para um livro, a pior crítica é o silêncio. Muitos dos meus livros tiveram-na, anos e anos a fio, e sei que muitos autores a têm. É chato ser invisível, quando publicamos um texto. Publicar implica querer público. Pode não ser muito, mas é isso que implica.
Estou no entanto já a divagar. Do que eu queria falar era da crítica de cinema. Há anos fiquei abananado quando um moço, o Luís Miguel Oliveira, disse que no Batman 2 de Nolan não havia «uma ideia de cinema» que fosse. Fiquei banzado: pensei que a presença do Heath Ledger como Joker fosse uma ideia, tal como a inovação técnica de aplicar o Imax a cenas de acção humanas (e arranjar alguém que conseguisse carregar uma câmara de 60 quilos). Habituei-me a lê-lo e reparei num pormenor que me pareceu cómico: ocasionalmente, havia não só filmes que o irritavam, mas realizadores que o irritavam. E eu não compreendia. Como podia uma pessoa ter uma reacção tão visceral a alguém que não conhecia?
2
O Eduardo Prado Coelho, de quem fui turbulento aluno, tal como ele foi meu brilhante e cabotino professor, irritava-se comigo. Foi uma certa animosidade que se manteve até que, nos seus últimos anos de vida, nos tornámos vizinhos e, suponho eu, nos cansámos de nos zangar. Ocasiões houve em que quase tomámos café juntos e eu lhe passei e ele me passou o jornal: ambos éramos sovinas e generosos a esse ponto. O Eduardo sempre me pareceu o mais injusto dos críticos. O mais poderoso, também. Na sua coluna, fazia e desfazia escritores. Espantava-me que nem uma linha tivesse escrito sobre poetas da minha eleição: o caso mais flagrante o do Alberto Pimenta. Sobre a Ana Hatherly não faço ideia se escreveu. Era espantosamente volúvel quando se tratava de mulheres. E isto não é um elogio: ainda hoje não compreendo como críticos que se pretendem lúcidos perdem a lucidez quando lhes fazem olhinhos. Talvez seja a síndrome do sedutor seduzido, sei lá.
O Eduardo também gostava muito de cinema. Livros, mulheres e cinema, não sei se por esta ou por outra ordem. Isto tudo para dizer que, tal como alguns críticos de cinema, também ele se irritava com autores.
3
Durante anos vi estas antipatias pessoais como enfraquecedoras, uma espécie de diminuição moral. Talvez ainda as veja. E vagamente cómicas, quando dirigidas a pessoas que não conhecem e que estão noutra parte do mundo (Lerá Nolan as críticas de Luís Miguel Oliveira?)
Agora estou menos seguro. Há que admirar a paixão. E há que apreciar - mesmo que discordemos - alguém que gosta tanto da arte sobre a qual escreve ao ponto de tomar alguns sucessos ou insucessos como afrontas ou glórias pessoais.
Também a mim O Renascido exasperou um pouco. Exibicionismo barroco a mais - secura a menos. Ou seja: manipulação do olhar do espectador, puxar pela manga, mas de forma mais cínica e menos descarada que o simpático trapalhão Terry «Monty Python» Gilliam. Acontece que o Iñarritu Paganini filma mesmo virtuosamente. E o filme mostra imagens - imagens em movimento, movimento de imagens - que não tínhamos visto juntas. Vê-se que interiorizou uma porrada de mestres, os rouba com a lata de um Tarantino mas não se fica por aí, vai mais longe. O Renascido cumpre, malgré tout, a regra da arte: quem conta um conto acrescenta um ponto. (Esta genial frase popular aplicar-se-ia, inicialmente, ao facto de a cultura oral ir distorcendo os factos numa história, mas cai que nem uma luva à definição de arte-que-vale-apena.)
Talvez não pareça, mas este texto é um elogio da crítica. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Sexta 26 não há aula - e um par de lembretes

Retomamos os trabalhos quarta 26, já comigo. .
Entrementes, alguns reparos:
1) Numa cadeira como esta o trabalho fora de aula é fundamental, eu diria que a parte mais divertida. A aula é um apeadeiro onde fazemos contas à vida, o percurso é feito de leituras. De bibliografia activa (os textos a estudar), de bibliografia passiva (os textos que nos ajudam a estudar os textos que nos interessa estudar).
2) E «interessa» é a palavra. O aluno tem uma vasta oferta à escolha. Não esperamos que se interesse por tudo, todas estas variantes - umas mais próximas que outras - do cânone literário. Todas estas variantes são de alguma forma desvios - umas sobre o papel, outras nem tanto - e colocam questões pertinentes.
3) Como foi dito, os artigos disponíveis na Casa das Folhas da AE contribuem para a discussão. Os textos de livros meus têm uma razão de ser: expõem de forma bastante clara (talvez até de mais) noções importantes. Já os outros, nomeadamente os de Umberto Eco, são textos fundamentais.  

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Eco (1932-2016): cabecinha pensadora

A melhor homenagem a Umberto Eco é lê-lo. Se alguém conhecer familiares mandar-lhes-á um abraço. Não é o caso? Então é lê-lo.
Para mim o Eco interessante será sempre o teórico, não o escritor. Haverá quem discorde. Eu explico: o seu trabalho teórico deslumbrou-me desde que com ele contactei, digamos, lá por fins de 70. Ele escreveu ensaios que são verdadeiros instrumentos de trabalho. Abriu pistas, propôs modelos de leitura, fez com a análise literária o que Andy Warhol fez com as artes plásticas. Só que em vez de estar do lado da farsa, do fake, do faqueiro, da fancaria, Umberto Eco esteve sempre do lado da substância. Era sempre substantivo, pertinente, luminoso. Por culpa sua perdi o respeito por muitos intelectuais, que o seu exemplo como pensador denunciava (mesmo que sem querer) como decoradores de interiores, farsantes, meliantes e outros tratantes. (Agora fugiu-me o pé para o Luiz Pacheco, que também os topava.) A sua ficção, pelo contrário, sempre me pareceu pálida em comparação. Não má – Umberto Eco não fazia coisas más – mas textos onde a inteligência substituía o talento.
É uma opinião, mas adianto-a: a sua obra teórica fica, e é incontornável; já os seus romances...
E no entanto pelo-me por ficção que seja também ensaio – e não estou só neste gosto, apetite, vício. Comparo sempre Umberto Eco com Italo Calvino, que também li todo. O percurso dos dois é quase perfeitamente inverso: Calvino foi um escritor que, pouco a pouco, se começou a interessar por questões teóricas. Eco foi um ensaísta que um dia desaguou na ficção.
Este ano, como nos últimos trinta, incluí Eco nas leituras recomendadas aos alunos.
E assim continuará a ser. Pela parte que me toca, nada muda.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Sexta-feira 19 há aulas

Caros alunos, surgiram algumas dúvidas. A resposta é sim: sexta-feira haverá aulas.
Melhores saudações, RZ

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

textos de apoio

Na Casa das Folhas, encontram-se vários textos de apoio:
1) Uma análise por Umberto Ecco dos livros de James Bond. Leitura muito recomendada. É um brilhante modelo de análise de ficção de cultura de massa.
2) Também de Umberto Eco: um capítulo sobre a relação e retórica e ideologia, seguido de cinco análises a discursos publicitários.
3) Um capitulo sobre o lugar da BD e o que possa ser um "sistema das artes" (do docente).
4) Um capítulo sobre o humor e a literatura, e outro sobre o humor e a censura (do docente).

Aqui no blogue também serão colocados textos exemplares, quer da bibliografia activa (textos literários que estudamos), quer da bibliografia passiva (textos críticos que nos ajudam a estudar)..